Seus dados, como nome, CPF e endereço, são protegidos por lei. Nesse caso, o envio de um cartão não solicitado configura violação tanto do Código de Defesa do Consumidor quanto da LGPD

Mas deixa eu te explicar utilizando Harry Poter. Lembra quando Harry recebe a carta-convite de Hogwarts? Mesmo sem informar o endereço, a carta chega certinha:

Rua dos Alfeneiros, nº 4, armário sob a escada.

No mundo real, sem magia, isso muitas vezes só é possível por vazamento de dados! Essa parte deve ter chamado sua atenção, certo? Mas saiba que, no mundo real, para que um juiz entenda que houve violação dos seus direitos quando uma empresa envia um cartão sem que você o solicite, por exemplo, é necessário comprovar que você sofreu um dano com essa situação.

Para ter a chance de ser indenizado, a situação precisa acontecer com você de forma parecida com Harry Potter: receber em casa algo que nunca solicitou, sem nunca ter fornecido seu endereço à ‘Hogwarts’ (ou, no nosso caso, à empresa de cartão).

Por isso, é essencial compreender a jurisprudência, que vou ilustrar com um exemplo do Juizado da Bahia:

Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO QUINTA TURMA RECURSAL – PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR – BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br – Tel.: 71 3372-7460 Ação: Procedimento do Juizado Especial Cível Recurso nº 0000815-61.2022.8.05.0082 Processo nº 0000815-61.2022.8.05.0082 Recorrente(s): ADRIANA SANTIAGO DE SOUSA Recorrido(s): BANCO BMG S A DECISÃO MONOCRÁTICA RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. ENVIO CARTÃO DE CRÉDITO NÃO SOLICITADO PELA CONSUMIDORA. SENTENÇA PROCEDENTE EM PARTE, SEM CONCESSÃO DOS DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE PROVA DA SOLICITAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO PELA CONSUMIDORA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 532 DO STJ. PRÁTICA ABUSIVA SUJEITA A INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. REFORMA DA DECISÃO PARA CONDENAR O RÉU AO PAGAMENTO DE DANOS MORAIS NO IMPORTE DE R$ 2.000,00. ARTIGO 15, INCISOS XI E XII DA RES. 02 DE FEVEREIRO DE 2021 DOS JUIZADOS ESPECIAIS E DO ARTIGO 4º, DO ATO CONJUNTO Nº 08 DE 26 DE ABRIL DE 2019 do TJBA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.     Dispensado o relatório, nos termos do artigo 46 da Lei Federal 9.099/1995.   Trata-se de Recurso Inominado interposto pela parte Autora em face da r. sentença prolatada nos autos do processo em epígrafe nos exatos termos: “julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos, extinguindo o processo com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC), para condenar a Acionada em obrigação de fazer qual seja se abster de realizar cobranças em relação a cartão de crédito não solicitado pela parte Autora, no prazo de 15 (quinze) dias, antecipando-se os efeitos da tutela (art. 52, V, da Lei nº 9.099/95), sob pena de multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por ato de cobrança, limitada a 12 (doze) vezes o valor da multa, neste primeiro momento”.     DECISÃO MONOCRÁTICA   O novo Regimento Interno das Turmas Recursais (Resolução nº 02/2021 do TJBA), estabelece a competência do relator para julgar monocraticamente as matérias que já tenham entendimento sedimentado pelo colegiado ou com uniformização de jurisprudência, em consonância com o art. 15, incisos XI e XII, da mencionada Resolução e artigo 932 do Código de Processo Civil.   Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.     Ab initio, cumpre observar que a matéria já se encontra sedimentada amplamente no âmbito desta 5ª Turma Recursal, como pode se verificar dos precedentes solidificados quando do julgamento dos seguintes processos:0003030-71.2022.8.05.0191, 0044205-04.2020.8.05.0001 e 0000857-87.2020.8.05.0080.     Sabe-se que precedente é toda decisão judicial, tomada à luz de um caso con­creto, cujo elemento normativo poderá servir como diretriz para casos futuros análogos[1].   A aplicação dos precedentes dá concretude à princípios basilares no ordenamento jurídico brasileiro, como segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, CF), razoável duração do processo e celeridade (art. 5º, LXXVIII, CF), seja por evitar a prolifera­ção de recursos judiciais, ou até mesmo a propositura de ações, seja por facilitar a conciliação judicial, evitando, desse modo, que o processo judi­cial se perpetue no tempo, tornando o Poder Judiciário ineficiente[2].   Somado a isso, o Novo Código de Processo Civil, no art. 926, estabelece que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”, e estabelece, em seu art. 932 os poderes do relator. Especificamente no âmbito dos Juizados Especiais, a Resolução nº 02 do TJBA, que estabeleceu o Regimento Interno das Turmas Recursais, em seu art. 15, XI e XII, conferiu ao Relator a atribuição de decidir de forma monocrática o recurso, considerando a jurisprudência dominante das Turmas recursais ou do próprio Juizado – passo a adotar tal permissivo.   Ainda, o STF possui entendimento de que: “A sustentação oral não é ato essencial à defesa, por isso não há prejuízo à parte quando o julgamento em plenário virtual observa a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal”. (STF. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Min. EDSON FACHIN. ED ADI 9930715-69.2011.1.00.0000 DF – DISTRITO FEDERAL. Julgado em: 20/12/2019).   Analisemos o caso concreto.   O Juízo a quo, em sentença, julgou parcialmente procedentes os pedidos autorais, contudo indeferiu o pedido de danos morais. Com efeito, tem-se que a relação travada entre as partes é de natureza consumerista, aplicando-se, portanto, as regras do CDC, (Lei nº 8.078/90).     Aduz a parte autora que recebeu cartão de crédito administrado pela Ré, sem jamais ter solicitado.   No caso em tela, pertinente se faz a inversão do ônus probatório, nos termos do art. 6º, VIII do CDC, porquanto presentes a verossimilhança da alegação contida na peça inicial e a hipossuficiência técnica do autor.   Desta forma, caberia a acionada comprovar, através da juntada de documentos claros e elucidativos, que o envio do cartao a residência da autora seria proveniente de requerimento prévio da parte autora. A Requerida, no entanto, não logrou êxito em demonstrar a licitude de suas ações, vez que sequer juntou aos autos o suposto contrato que deu origem a alegada remessa.   Conforme o enunciado da SÚMULA 532 DO STJ, ¿constitui prática comercial abusiva o envio de cartão de crédito sem prévia e expressa solicitação do consumidor, configurando-se ato ilícito indenizável e sujeito à aplicação de multa administrativa¿.   Ademais, o art. 39, III, do Código de Defesa do Consumidor proíbe o fornecedor de enviar produtos ou prestar serviços sem solicitação prévia do consumidor.   Por assim ser, restou axiomático a ilicitude da conduta do recorrido, visto que exacerba o exercício regular de direito.   Por conseguinte, constatado o fato que gerou o dano, proveniente da relação de consumo, e a lesão à parte mais fraca, caberá ao responsável a sua reparação, não havendo necessidade do consumidor apresentar prova da culpa. Nesse sentido, a redação do artigo 14 do CDC é clara:   “Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”   Cumpre ressaltar que o dano moral, no presente caso, é “in re ipsa”, competindo à parte lesada apenas provar os fatos ensejadores da reparação pretendida, sendo desnecessária a produção de meios probatórios materiais da violação ao direito da personalidade.   O aludido dever de indenizar impõe-se em virtude da consonância do artigo 186 do Código Civil de 2002 com o artigo 6 º, VI, do CDC:   “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.   Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;”   Assim, o Recorrido deve responder pelos danos morais sofridos pela Recorrente, pela falha na prestação de serviço.   Quanto ao valor a ser fixado, embora seja difícil quantificar o dano moral, predomina o entendimento que deve ser fixado observando-se o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, entretanto, não pode ser um valor irrisório posto que descaracterizaria o caráter intimidatório da condenação, porquanto entendo que o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) é suficiente à reparação do dano.   Em vista de tais considerações, decido no sentido de CONHECER E DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso interposto pela parte Autora, para, reformando a sentença hostilizada, condenar a Acionada ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), com juros a partir da citação e correção a partir da publicação desta decisão, mantendo a sentença objurgada quanto aos demais termos. Deixo de condenar às custas processuais e honorários advocatícios, diante da inexistência de recorrente vencido no presente caso.     Salvador, data registrada no sistema.   ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA  Juíza Relatora      Processo julgado com base no artigo 15. do Regimento Interno das Turmas Recursais (resolução 02/2021 do TJBA), em seu inciso XII, estabelece a competência do Relator para julgar monocraticamente as matérias em que já estiver sedimentado entendimento pelo Colegiado ou já com uniformização de jurisprudência em consonância com o permissivo do art. 932, CPC.               [1] DIDIER, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 13ª ed. Salvador: JusPodium, 2018, p. 513-515. [2] MARINHO AMARAL, Felipe. A Aplicação da Teoria dos Precedentes Judiciais no Processo do Trabalho, Editora Mizuno, 2021, p. 57.

( Classe: Recurso Inominado,Número do Processo: 0000815-61.2022.8.05.0082,Relator(a): ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA,Publicado em: 12/04/2023 )

Sum… Súmula 532, do STJ? Muito bem observado, deixa eu te mostrar:

Constitui prática comercial abusiva o envio de cartão de crédito sem prévia e expressa solicitação do consumidor, configurando-se
ato ilícito indenizável e sujeito à aplicação de multa administrativa.

A súmula deixa claro: enviar cartão de crédito não solicitado é abuso. Na vida real, se você receber um cartão (ou até um convite como o de Harry Potter) sem pedir, é prática abusiva! Seus direitos estão protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor e pela LGPD, e você pode se resguardar.

Aconteceu com você? Procure sua advogada, pois ela poderá te orientar e informar se seu caso é pssível de indenização, por exemplo.

Fonte: https://www.stj.jus.br/internet_docs/biblioteca/clippinglegislacao/Sumula_532_2015_Corte_Especial.pdf


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